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Tempestade perfeita de degradação cognitiva |
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Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs
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Peter Shankman, empresário e palestrante, tinha que escrever um livro e para se isolar comprou uma passagem de ida e volta em primeira classe de Nova York a Tóquio, um trajeto de 28 horas em silêncio mas, conseguiu.
A experiência lhe mostrou a
confusão fenomenal em que vivemos por causa dos estímulos constantes e inúmeras distrações da sociedade digital multitarefa, comentou
“El Mundo”.
Porque está se tornando heroico manter o foco e trabalhar duro num ambiente sob o bombardeio dos estímulos virtuais?
Segundo estudos científicos recentes
os adolescentes estão ficando incapazes de se dedicar a uma mesma tarefa por mais de 65 segundos, e os adultos mal conseguem se concentrar em uma única tarefa por três minutos.
A cascata de e-mails, tweets, memes, alertas, histórias e emoticons que chovem sobre nós dia após dia amolecem os cérebros e os tornam inúteis para tarefas intelectuais complexas, diz o jornal espanhol.
Soma-se a todo-poderosa indústria do
marketing que quer tirar dinheiro de suas procuras na rede. Uma super articulação da propaganda baseada em algoritmos nos apronta sem cessar todo tipo de armadilhas para nos propor na rede não o que procuramos, mas sim o que o mercado nos quer empurrar, mesmo sem precisar.
“
Estamos no meio de uma tempestade perfeita de degradação cognitiva como resultado das interrupções contínuas.
A grande maioria da população diz que se sente menos competente do que há 10 ou 20 anos”, resume o jornalista e divulgador Johann Hari, por videochamada desde Londres.
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Calma e reflexão produtiva numa outra concepção da vida. Fra Angelico retrata a São Domingos |
Depois de entrevistar mais de 250 neurocientistas, psicólogos, especialistas em saúde pública e luminares do Vale do Silício, Hari acaba de publicar um ensaio essencial para entender o que está acontecendo:
“El valor de la atención: Por qué nos la robaron y cómo recuperarla” (
“O valor da atenção. Por que nos foi roubado e como recuperá-lo”, editorial Península, Barcelona, 2023, 448 págs.).
Hari reconhece que com o passar dos anos, ler um livro, assistir a um filme ou manter uma conversa longa se tornou um exercício árduo. Ele notou essa deformação também em membros de seu ambiente mais próximo.
“É um sistema que, todos os dias, se dedica a despejar ácido em nossa atenção”, explica.
As pessoas que não conseguem se concentrar se inclinam para soluções autoritárias ou simplistas.
Na opinião de Javier Quintero, professor de Psiquiatria e Psicologia Médica da Universidade Complutense e chefe do Serviço de Psiquiatria do Hospital Universitário Infanta Leonor (Madrid) “há uma competição cada vez mais ativa pela intensidade da estimulação” que vai acelerando a velocidade das excitações e alterando os processos atencionais.
Por isso, é “absurdo” que o presente mais frequente dado às crianças que fazem a primeira comunhão seja um smartphone, exemplifica.
“Nessa idade, suas mentes precisam estar se desenvolvendo com outras coisas”, diz ele.
“Fico horrorizado com a típica cena do casal com o bebê em um restaurante em que a criança tem um tablet a poucos centímetros dos olhos e passa o dedo pela tela”, acrescenta o autor de
The Teenage Brain (
O cérebro adolescente, ed. Intrínseca, 2016 ) e
Transtorno de Déficit de Atenção ao Longo da Vida (Editora Artmed; 2009. 388p).
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Os adultos mal conseguem se concentrar numa tarefa por 3 minutos |
“Para Paul Graham, um dos maiores investidores no Vale do Silício, o mundo está mais viciante. O TikTok está fisgando seus filhos mais do que o Facebook. Imagine como será no metaverso...
“Temos que construir um movimento de resistência. Não somos camponeses medievais na corte do rei Zuckerberg ou do rei Musk implorando migalhas de atenção. Somos cidadãos livres e mestres de nossas próprias mentes”, afirma.
Em conversa com o cientista norueguês Thomas Hylland Eriksen, professor de Antropologia Social, Hari datou
o início da crise na Revolução Industrial.
Hari argumenta que a maquinaria do marketing levou o homem além dos limites de sua mente, esquecendo o canto dos pássaros nas cidades, incorporando nossos rostos na tela como se não houvesse mais nada fora do digital.
“A concentração é nosso maior superpoder. Se a perdermos teremos sérios problemas”, conclui.