As crianças não se inteligentizam com as telas digitais. Elas se cretinizam, diz cientista |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
“A Fábrica de Cretinos Digitais”: o título é chocante para um livro de um sisudo neurocientista e ainda mais quando pretende elencar os efeitos das telas digitais.
Porém foi o escolhido pelo neurocientista francês Michel Desmurget, autor do libro recém-lançado em português “A Fábrica de Cretinos Digitais”, pela editora Vestígio (BH, 2021, 352 págs.), após ser traduzido em outras línguas.
O neurocientista constata entre os efeitos “constante bombardeio perceptivo; desmoronamento das trocas interpessoais (especialmente intrafamiliares); perturbação tanto quantitativa quanto qualitativa do sono; amplificação das condutas sedentárias; e insuficiência de estimulação intelectual crônica”.
Uma conjunto demolidor do equilíbrio da saúde e da mente de uma criança. E é só um resumo.
O autor analisa diversos estudos clínicos e o resultado é uma chuva de denúncias científicas contra a onipresença de celulares, tablets, videogames, internet e redes sociais na rotina dos mais jovens.
O autor não é um qualquer um, mas é diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da França.
Ele recorre à sua experiência na neurociência cognitiva e a centenas de trabalhos feitos com crianças e adolescentes para fundamentar a tese de que o uso abusivo de telas está piorando o desenvolvimento físico, psíquico e emocional da nova geração.
E o faz de modo bem convincente!
Diogo Sponchiato, que escreve para Veja Saúde e nos fornece estas ricas informações, conta que como pai de um bebê de 6 meses, ficou assustado com o impacto de algumas horas diárias de vídeos ou joguinhos pelo celular na cabeça e no corpo da criançada.
O neurocientista Desmurget não prega a destruição de smartphones e reconhece o lado bom da tecnologia. E é equilibrado na crítica, mas alerta as famílias e as associações educativas que não prestam a atenção devida ao que está danificando filhos e alunos.
O autor: o investigador francês Michel Desmurget |
E os argumentos do professor cresceram em validade.
O Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) visualiza uma avalanche de transtornos mentais entre os jovens, e os especialistas concordam que o aprendizado virtual não substitui o presencial.
Desmurget se preocupa especialmente pelos bebês abduzidos por vídeos no YouTube, pela molecada jogando videogame, pelos adolescentes hipnotizados por redes sociais; e até pela família, pais e filhos vendo horas ininterruptas de TV.
Com farta documentação científica, o pesquisador francês explica que o uso exagerado de telas compromete o desenvolvimento emocional, intelectual, somático e social.
As crianças deixam de interagir com gente e abrem mão de atividades mais instigantes aos neurônios, como a leitura.
Horas vidrado numa tela significa menos horas com o corpo em movimento. E aí está a epidemia de obesidade infantil!
O organismo sai bagunçado: a quantidade e a qualidade do repouso noturno saem prejudicadas, sobretudo se o consumo de jogos, vídeos e afins acontecer depois que o sol se põe.
A noção de que haveria “nativos digitais” — quer dizer a ideia de que as crianças do século XXI já nascem sabendo mexer com smartphones e computadores – é uma perigosa bobagem, segundo o neurocientista.
Filhos menos inteligentes que os pais |
Outra ilusão: os videogames tornam os jovens mais habilidosos e inteligentes.
Desmurget defende que jogos educativos têm sua razão de existir. Porém os games que simulam a vida real ou são cheios de conteúdos violentos não estimulam o desenvolvimento cerebral.
Adolescentes expostos a jogos “pesados” estão mais sujeitos a violência e comportamentos de risco como, aliás, o prova o bom senso.
A recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) é de que o uso de telas, com bom senso, só pode começar a partir dos 2 anos de idade. Para Desmurget o cenário ideal é: nada de telas até os 6 anos.
Dos 6 em diante, no máximo meia hora de tela por dia, passando a 60 minutos a partir dos 12.
No livro, o neurocientista lista e explica muitos outros cuidados, incluindo evitar vídeos e games antes de ir à escola e antes de dormir, não ter telas no quarto, limitar o tipo de conteúdo a que os pequenos são expostos etc.
Não dá para terceirizar a criação às telas, até porque as grandes companhias por trás dessas plataformas só querem que, a despeito da idade, a gente fique horas e horas submersos nelas.
Há mais vida e saúde lá fora! exclama ponderadamente Diogo Sponchiato.