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Perigos de dissipação latentes no teletrabalho |
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Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs
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O teletrabalho especialmente multiplicado pela pandemia não trouxe senão muito parcialmente os benefícios que prometia e atraiu assustadoramente males inesperados.
Por isso, muitos funcionários de todos os níveis decepcionados com os danos percebidos voltaram assim que puderam ao trabalho presencial.
Os prejuízos foram percebidos
na vida familiar, na ausência de privacidade no lar, da falta da psicológica distinção entre trabalho e casa, na desconexão entre os funcionários, a carente relação com o cliente, do relacionamento indispensável com chefes, colegas e subalternos, etc.
Também
os diretores de empresa perceberam as perdas causadas ao bom funcionamento delas.
O retorno ao trabalho presencial virou então um dos mais fortes temas de debate nas empresas americanas.
Exemplo característico foi oferecido pelo
presidente-executivo do banco Morgan Stanley, James Gorman. Ele avisou aos funcionários:
“se você pode ir a um restaurante em Nova York, então pode ir ao escritório e queremos você no escritório”, narrou
“La Nación”.
Numa conferência de serviços financeiros, Gorman disse que ainda não havia ordenado aos funcionários voltar ao escritório, mas
tinha enviado uma mensagem “muito forte” exprimido seu desejo de vê-los em suas mesas.
Acrescentou que ficaria “muito decepcionado” se os trabalhadores desse gigante das finanças não voltassem aos seus empregos para o Dia do Trabalho, que nos EUA é comemorado em 6 de setembro.
Se não for assim, alertou:
“então, se não, teremos um tipo de conversa muito diferente”. O aviso foi bem duro num ambiente onde não prevalece a caridade católica.
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O cartaz promete 'estamos aqui para ajudar'. Mas, se o cliente entra e não encontra o funcionário que precisa?
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Gorman garantiu que não veria com bons olhos os funcionários que desejam realizar seu trabalho remotamente desde lugares como a Flórida ou o Colorado. Ele lembrou
se querem ganhar seu salário nos patamares de New York devem trabalhar lá.
O chefe do Morgan Stanley tem ponderadas razões.
Ele observa que
trabalhar no escritório é especialmente importante para os funcionários mais jovens, que ainda estão treinando para aprender as funções.
É no trabalho que eles aprendem todos os jeitos e sutilezas da função.
Mas
o Morgan Stanley não é o mais radical no pelotão de grandes bancos que querem seus funcionários de volta no tradicional escritório.
Quase todos os funcionários da sede em Nova York do banco múltiplo Goldman Sachs foram convocados a retornar às suas mesas.
O CEO dessa empresa, David Solomon, deu um ultimato aos trabalhadores da empresa, avisando que aqueles que não voltaram ainda tinham um breve prazo para resolver as dificuldades para voltar ao local de seus empregos.
Solomon já qualificou o trabalho remoto de “uma aberração”.
O maior banco dos EUA, o JP Morgan Chase, aconselhou seus bancários a prepararem o retorno ao escritório no período de
um mês.
Muitos deles anseiam pelo retorno aos escritórios, as iniciativas das empresas para trazê-los de volta às suas matrizes obrigam a alguns a mais rearranjos de suas vidas.
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Onde está o ambiente de trabalho? O chefe quer ver os funcionários trabalhando mas não sabe se estão num bar. |
Os chefes temem que suas equipes sejam menos competitivas se não retornarem logo, mas os trabalhadores que completaram o tempo em casa com outras atividades podem perder a flexibilidade adquirida.
Também os funcionários mais jovens e solteiros tem mais facilidade para voltar mais cedo e aproveitam a ocasião para estabelecer melhores conexões com executivos e clientes.
Nas grandes finanças americanas há exceções. Por exemplo, o Citigroup facilitou as opções a seus funcionários que se mostrem capazes de adotar um estilo de trabalho híbrido entre casa e escritório no longo prazo.
Sua CEO, Jane Fraser, ainda acredita na flexibilidade em relação aos trabalhadores, e o Bank of America não prevê um retorno massivo de funcionários aos escritórios de imediato.
Muito ainda vai se falar do problema do teletrabalho. Mas
a boa ordem pede uma adequação do ambiente do trabalho à psicologia das pessoas.
Cria-se imperceptivelmente um conjunto de causas e efeitos psicológicos e ambientais que se entrelaçam por vezes de um modo tão rico e inesperado, que ninguém poderia imaginar.
Há relacionamentos implanejáveis cheios de imponderáveis, que nascem do contato espontâneo e vivo das pessoas e marcam a fundo o ambiente de trabalho e produção.
O instrumento digital não é capaz por si só de cria-los, como tampouco, vamos dizer uma máquina de escrever ou um grampeador.
Chefes e funcionários não funcionam como objetos inertes num esquema eletrônico. Os seres vivos não podem ser organizar como uma equação e esse um dos mais sofridos riscos do relacionamento, inclusive de trabalho, meramente cibernético.