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A reunião em volta “da mesa comum, que uniu os seres humanos durante 150.000 anos, pode desaparecer” |
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Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
A reunião em volta “da lareira, da panela e da mesa comum, que uniu os seres humanos durante pelo menos 150.000 anos, poderia desaparecer”, segundo o historiador inglês Felipe Fernández Armesto.
O paradoxo é que esse retrocesso é obra da tecnologia.
O professor Felipe é autor do ensaio Comida, culinária e civilização (ed. Tusquets), sobre a história da refeição, no qual demonstra que “se comermos sem contato de alma em frente das telas digitais, voltaremos três milhões de anos atrás”.
Professor convidado de universidades e institutos de pesquisa, Fernández Armesto é autor de um grande número de obras ligadas à história com uma perspectiva sociológica e cultural.
“Se deixarmos a mesa familiar, se comermos na frente das telas ou caminhando isolados pelas ruas, voltaremos a um estágio na história próprio dos hominídeos pré-civilização.
“A um sistema de vida semelhante ao de dois ou três milhões de anos atrás, dos hominídeos catadores que comiam desesperadamente, sem pensar nas possibilidades de usar a mesa para criar sociedade, promover afeto e planejar um futuro melhor”, disse, em entrevista a “La Nación”.
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Família feliz pelo contato com o smartphone, mas cessou o relacionamento de alma |
Portanto, é “legítimo considerar a refeição como o momento mais importante do mundo: é o que mais ocupa a maioria das pessoas na maioria das vezes”, deduz ele.
Segundo o pesquisador, as causas que contribuem para o desaparecimento gradual do hábito de se sentar juntos para comer e conviver são “mudanças sociais paradigmáticas” que causam danos que “estão ocorrendo”.
Quais?
O “desligamento familiar, golpes intergeracionais, anomia, rejeição de tradição, abandono do senso de pertencer à mesma família humana, no bom sentido da palavra, a predominância de um individualismo existencialista alheio à necessidade humana de manter relações vivas com outros seres humanos de carne de osso”.
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Jesus escolheu refeições para o início de sua pregação até a Ultima Ceia. Bodas de Canaã, Gérard David (1460 — 1523), Louvre |
Porém, se analisarmos os ensinamentos do catolicismo, encontraremos altos momentos religiosos em que Deus escolheu refeições para marcar momentos augustos da Revelação.
Cristo começou a vida pública participando de um grande banquete: o das bodas de Canaã.
Ali fez seu primeiro milagre para um grande número de pessoas: transformou a água das ânforas num precioso vinho.
Quando chegou a noite junto ao Lago de Galileia e Jesus percebeu que as multidões estavam sem comer.
Ele sentiu que passavam fome como um rebanho sem pastor, multiplicou poucos pães e peixes e mandou os Apóstolos distribuí-los com tanta abundância que sobraram cestos cheios.
Simbolizou que a Igreja deveria alimentar os povos com a palavra do Evangelho e que os Apóstolos voltariam com tantas conversões que encheriam cestas.
Quando os judeus saíram da escravidão do Egito, a primeira instrução de Moisés foi que jantassem bem. É a origem da ceia pascal que reeditamos até hoje no Domingo de Páscoa.
E foi precisamente durante uma ceia pascoal que Jesus instituiu a Missa e a Eucaristia, cujos significados místicos são frequentemente associados à alimentação em torno de uma mesa, obviamente sagrada: o altar.
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O fim do hábito de se sentar e se relacionar para comer causa danos mentais e sociais |
Após a Ressurreição, Jesus se tornou patente aos apóstolos na hora de partir o pão na mesa em Emaús. E assim poderíamos prosseguir de modo intérmino.
Basta mencionar que as grandes festas litúrgicas ou religiosas são acompanhadas com nobres, mas deliciosas refeições em comum, familiares e sociais, como no Natal, na Páscoa, nas festas dos padroeiros, etc.
Porém, o professor que citamos observa que sob o pretexto de progresso e modernidade estamos regredindo ao primitivismo.
Morre o convívio, apaga-se a religião no lar e na sociedade, se estiolam a cultura e o contato entre as almas com a morte dos almoços e jantares em que predomina o contato de alma a alma.
Essa decadência está sendo feita sob o pretexto, continua o ensaísta, de “mudanças tecnológicas que facilitam o abandono social: uma rede eletrônica que não aperta sua mão nem beija seu rosto; formas de entretenimento solitário, sem trocas emocionais com outras pessoas”.
Quantas vezes num bar vemos grupos de rapazes e moças que não trocam uma palavra sequer, cada qual grudado em seu smartphone?

No livro, o Prof. Fernández Armesto trata da história da conversa e do convívio nas refeições como assunto inseparável de outro tipo de relacionamento entre os seres humanos entre si e com a natureza: o nível da culinária que desperta a inteligência.
Ele traça conexões em cada estágio entre a comida do passado e a maneira como é consumida hoje.
Os belos serviços e talheres desaparecem e vai ficando o sanduíche dentro de um envelope num McDonald, ou fast-food equivalente, e um copo de plástico descartável sem muita preocupação se a mesa fica suja ou não, e se o conviva sentado em frente se sentiu atendido ou interpretado.
Por isso, o Dr. Fernández Armesto acha que é possível identificar na história dos povos civilizados oito revoluções na história da refeição.
Essas afetaram outros aspectos da história da humanidade, tornando-a ou mais convivial e amável, ou mais insensível e brutal.
“Temo o dia em que a tecnologia irá superar nossa interação humana. O mundo terá uma geração DE IDIOTAS ”.Albert Einstein
ResponderExcluirNão sou contra a tecnologia, por sinal um bem que gera outros progressos, mas como todo bem há excessos ao uso.
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